domingo, 30 de janeiro de 2011

Megaprojeto desafia tradição no ABC

Valor Econômico, Daniela D'Ambrosio e Marti Olmos, 04/jan


A cena se repete há anos e já envolveu algumas gerações. Se a ideia é comprar roupa da moda, jantar em um bom restaurante ou assistir aos últimos lançamentos do cinema, um inexplicável impulso leva o sulsancaetanense a pegar o carro e percorrer de 15 a 20 quilômetros, ou mais, em direção à capital paulista. Há quem não abra mão da viagem até para cortar o cabelo ou simplesmente tomar uma cerveja com amigos.

Cruzar a "fronteira" para consumir e divertir-se é algo natural e incorporou-se à vida de boa parte dos moradores de classes média e alta, jovens ou não, dessa que é a mais rica e aparentemente contraditória cidade do ABC, dona de invejáveis índices de desenvolvimento humano e qualidade de vida.

É por isso que o maior lançamento da cidade, encravado em um espaço de 300 mil metros quadrados, vai muito além da ousadia de um mega empreendimento imobiliário. Significa quebrar paradigmas. Concebido pela Sobloco, o Espaço Cerâmica - que ganhou este nome por abrigar uma antiga fábrica de cerâmica da Magnesita - chama a atenção pelo tamanho em uma cidade de apenas 15 quilômetros quadrados. Mas, apesar de toda a pompa e dos novos conceitos que procura imprimir, seu maior desafio será conseguir mudar hábitos incorporados há anos por diferentes gerações.

Em um único e novo espaço, a cidade passará a ter algo corriqueiro para os habitantes de São Paulo e até outras cidades do ABC, mas que ainda não faz parte da vida de quem mora em São Caetano. O novo bairro planejado terá o primeiro shopping da cidade, com lojas, restaurantes e seis salas de cinema. A Rede D'0r está levando um hospital São Luizpara lá. Além dos espaços para vários prédios comerciais e residenciais de alto padrão. Os apartamentos começam em 164 m2e chegam a até 300 m2. O preço de uma unidade das maiores encosta em R$ 2 milhões.

O morador de São Caetano tem escolas públicas melhores que as do resto do país, inclusive escolas de inglês e música e bolsa de estudos para a faculdade. Por outro lado, por mais díspar que possa parecer, em São Caetano, os cinemas disponíveis no passado acabaram por fechar, o que se chamava de shopping em um apertado espaço no centro da cidade virou prédio comercial e as poucas lojas que restaram estão em uma galeria sem graça e, pior ainda: a rede hospitalar particular empobreceu - o tradicional Hospital São Caetano fechou as portas recentemente - levando a população a buscar serviços de saúde em outras cidades.

A primeira fase foi vendida em cerca de dez dias e a segunda foi 70% negociada no primeiro mês

Não faltam motivos para deixar essa cidade encravada na maior região metropolitana do país com jeitão provinciano. A proximidade com São Paulo acabou fazendo de toda a região do ABC uma área com menos atrativos de entretenimento, consumo e moradia. Isso foi mudando, com o tempo e com a substituição de antigas fábricas pelo setor de serviços. Mas no caso de São Caetano essa transformação não avançou muito. Cercado por bairros de São Paulo, de diferentes regiões, e pelas vizinhas Santo André e São Bernardo do Campo, o município acabou crescendo sem opções que agradem às classes A e B.

Boa parte dos habitantes guarda um disfarçado preconceito contra a cidade e se sente meio desconfortável quando alguém aparece para almoçar fora. As sugestões de restaurante do sulsancaetanense estão, em geral, fora dos limites da cidade. Por isso, quem desconhece o hábito local estranha quando, ao entrar no carro, o morador amigo segue direto para as vias que os conduzirá para fora da cidade.

A peregrinação pela gastronomia dos vizinhos é mais forte em almoços de negócios. É igualmente comum deslocar para hotéis de São Paulo os visitantes que precisam trabalhar em empresas importantes da cidade. É o que faz a GM, que tem a sede e a maior fábrica no coração da principal via da de São Caetano, a avenida Goiás.

Isso deve mudar. Pelo menos é o que esperam os idealizadores do empreendimento, as empresas que abraçaram o projeto e investidores. "Fizemos um geomapeamento e vários estudos até chegar no modelo atual", afirma Luiz Augusto Pereira de Almeida, diretor da Sobloco, dona de metade do espaço, junto com a Magnesita, que originalmente era dona do terreno e agora possui 50% do projeto.

A Multiplan, dona do Morumbi Shopping e do Barra Shopping, estima investimentos da ordem de R$ 260 milhões no local. Entre os restaurantes já confirmados estão Cristallo e Aplebee's e das lojas há desde âncoras como Etna, Rennere Riachuelo até Le Lis Blanc, Richard's e Victor Hugo - um mix diferente do que existe na região. Falta cerca de um ano para ser inaugurado e o shopping está 70% locado. Curiosamente, a cidade sede de uma das maiores e mais tradicionais varejista de eletroeletrônicos do Brasil, a Casas Bahia, terá no shopping um concorrente direto: o Ponto Frio. "Nossa intenção é atrair os moradores de toda a região, inclusive da região de São Paulo mais próxima a São Caetano", afirma Pedro Côrtes, superintendente de incorporação imobiliária da Multiplan.

Há dois anos, o bairro planejado atraiu um consórcio de peso para a área residencial: PDG Realty, Lindenberge Rossi. Apostaram em apartamentos de altíssimo padrão, em uma cidade com apenas dois prédios com apartamentos de mais de 300 m2e o chamado Jardim São Caetano, o bairro de casas mais luxuoso da cidade. O sucesso de vendas até agora dá indícios de que as incorporadoras não exageraram - como se poderia supor, a princípio. A primeira fase foi totalmente vendida em cerca de dez dias e a segunda, com os apartamentos maiores, foi 70% negociada nos primeiros 30 dias.

Um único investidor comprou 42 apartamentos e 26 lotes de casas - o projeto tem 120 lotes para construção de casas (abriu 55% para venda e negociou tudo). O investimento total foi de R$ 42 milhões. "São muitos gigantes juntos e se eles apostam eu também posso arriscar nesse negócio", diz o comerciário de 63 anos, que mora no Jardim São Caetano.

Guardadas as exageradas proporções, como esse morador, São Caetano é uma exceção. Uma cidade fora da curva. Uma simples análise dos indicadores sócio-econômicos do município mostra que o projeto - vencidas as barreiras culturais - é adequado aos padrões da cidade.

A renda média familiar per capital está em R$ 1.399 (2010), segundo o Instituto de Pesquisas da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (INPES). É quase o dobro da média nacional. O valor apurado na PNDA, do IBGE, para a renda per capita por domicílio em 2009 foi de R$ 776.

É certo que parte dos altos índices que medem qualidade de vida na cidade se deve a um resultado matemático: o número baixo de pessoas morando numa área pequena, eleva as médias de extensão de rede de água e esgoto e de pavimentação, por exemplo. Mas não é só isso que faz de São Caetano uma região atrativa para empreendedores.

Outros números que impressionam na pesquisa do INPES, um dos mais renomados no ABC, referem-se à divisão de classes. A classe A abrange 17% da população de São Caetano e a B outros 51%. Para efeito de comparação, quando se somam os habitantes de toda a região do ABC, formada por sete municípios, com total de 2,354 milhões de pessoas, a classe A representa 4,8%.

O baixo número de habitantes no município - 140,1 mil -, traz mais um desafio para os empreendedores do Espaço Cerâmica, segundo análise de Maria do Carmo Romeiro, diretora do INPES. "Para dar certo, um empreendimento desse porte não pode contar apenas com a população local. Precisa conseguir atrair os habitantes de outros municípios do ABC. Se tiver sucesso, até as pessoas que moram na Baixada Santista vão querer frequentar o espaço", destaca. O trânsito cada vez mais complicado em São Paulo pode até ajudar.

Maria do Carmo alerta, ainda, para o desafio de o novo empreendimento conseguir atrair uma população altamente conectada. A participação de famílias que acessam internet a partir de computador instalado no domicílio chega a 80,4% em São Caetano. No Brasil, a média é de 27%, segundo o INPES.

Segundo a pesquisadora, o INPES tem sido procurado por empresas que buscam dados para sustentar projetos voltados para o alto poder aquisitivo da região. As estatísticas de hoje indicam como certo que um centro de consumo sofisticado poderá segurar em São Caetano o dinheiro que hoje viaja até templos de consumo da vizinhança, como o Morumbi Shopping . Mas só o tempo dirá se a novidade mudará hábitos peculiares, que somente quem é da cidade entende, apesar de não saber explicar.

De uma ruína industrial a ousado empreendimento

A Cerâmica São Caetano foi mais uma entre as várias fábricas do ABC desativadas nas últimas décadas e engolidas pela cidade. Esqueleto de empresas que faliram ou simplesmente trocaram de endereço, tornaram-se enormes e valiosos vazios que conviveram - e ainda convivem - com o cenário urbano e, aos poucos, mudam completamente a cara da cidade.

Fundada em 1913, a Cerâmica São Caetano ficou famosa pelos ladrilhos, telhas e tijolos refratários produzidos ali. O Bairro Cerâmica, no entorno da então fábrica, desenvolveu-se ao longo do século passado em função da empresa - que foi desativada em 2003, sob comando da Magnesita. Foi quando os moradores começaram a questionar o futuro do respeitável espaço de 360 mil m2

"São Caetano sofreu com a desindustrialização e faltavam espaços para empresas de tecnologia", afirma Aparecido Viana, corretor de imóveis que atua há 47 anos na região. "Aquele espaço estava lá, precisava de um projeto arrojado."

Viana conseguiu exclusividade de venda da área em 1997 e logo em seguida Magnesita e Sobloco - empresa que planeja, realiza e administra grandes bairros, como a Riviera de São Lourenço e Parque Faber, em São Carlos - fecharam parceria para conceber o novo projeto. Cada um detém participação de 50% no negócio.

Até o momento, a Sobloco já investiu R$ 25 milhões no empreendimento. "É o maior projeto de revitalização urbana do país", afirma Luiz Augusto Pereira de Almeida, diretor da Sobloco.

Da entrada do projeto até a aprovação foram 10 anos. A Sobloco teve de fazer três alterações importantes. Uma delas foi o plano de obras e sistema de galerias pluviais. As enchentes no entorno do terreno sempre foram um problema grave da região. Segundo a Sobloco, as obras incluíram a construção de uma galeria e piscinões capazes de absorver 235 mil m3, em convênio com o governo do Estado. A segunda foi o prolongamento de uma avenida e duplicação de outras duas, incluindo a ligação de uma delas (Guido Aliberti) com a avenida do Estado. A terceira alteração consistiu na execução de quatro novas linhas de transmissão de alta tensão, cada uma com 1,1 km de extensão, por conta da remoção da antiga linha de energia que passava pelo meio do terreno.

Depois da doação de uma parte do terreno para vias e dois parques públicos, o espaço útil para empreendimentos ficou com 300 mil m2- 70% será destinado a comércio e serviços e 30% para residencial. O shopping da Multiplan ocupará quase 20% do terreno, mas a empresa também adquiriu quatro torres comerciais, onde, a princípio, deve construir salas comerciais. A empresa pagou R$ 81 milhões pelo terreno.

O empreendimento está em fase de licitação de cerca de 15 mil m2de prédios comerciais. "Tivemos mais de 50 interessados", diz Viana. Terá ainda uma Cobasi, um Hospital São Luis e uma concessionária de veículos. A área residencial foi a primeira a ser licitada e ficou com consórcio entre Lindenberg, PDGe Rossi, que pagaram, conforme comunicado em abril de 2008, cerca de R$ 90 milhões.

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