O Globo, Flávia Monteiro, 27/fev
Nem muito, nem pouco. Com o aquecimento global - e a promessa, já real, de dias cada vez mais quentes - o interesse por apartamentos com o sol da manhã, considerado aquele na medida certa, já faz subir em 10% o valor dos imóveis que dispõe de tal privilégio. De quebra, imobiliárias cariocas revelam: o sol já vale mais do que o silêncio. Ou seja, uma boa incidência de luz pesa mais na decisão do cliente de comprar um imóvel do que a ausência de barulho. Perde apenas para o óbvio - preço, bairro e tamanho. E só fica em segundo plano na hora de fechar um contrato de aluguel porque a oferta anda mínima, dizem os especialistas.
Vice-presidente de Locações do Secovi Rio, Antonio Paulo Monnerat ressalta que a preferência nacional é pela maior ação do sol nos quartos e na sala de estar. Mas há diferenças cruciais entre um estado e outro:
- No Rio, por conta da praia, os imóveis mais valorizados são aqueles localizados ao Leste. Estes também recebem os melhores ventos. Mas o ideal é sempre consultar um arquiteto ou engenheiro antes de fechar negócio. Um comprador mais afoito corre o risco de levar gato por lebre. Há casos em que a localização é boa, mas fatores externos, como um prédio vizinho, prejudicam a entrada do sol.
Já em São Paulo, o diretor de Comercialização e Marketing do Secovi-SP, Luiz Fernando Gambi, afirma que estão na posição Norte os imóveis com maior incidência de luz solar nos cômodos:
- O interesse por empreendimentos localizados ao Norte é maior em zonas pouco tropicais. Quanto mais nos dirigirmos para o Sul do país, maior a procura por este ângulo. Mesmo no inverno, quando o sol já está mais inclinado e não invade diretamente o imóvel, ele continua garantindo o conforto térmico nos ambientes.
O ciclo natural da luz solar, completa Gambi, também exerce uma influência positiva na saúde dos moradores. Ao diminuir a incidência de ácaros, fungos e bactérias nos ambientes, ele contribuiu para o bom funcionamento do sistema imunológico:
- O mofo e a umidade causados pela falta de sol são um transtorno e tanto na vida de quem sofre, por exemplo, de problemas respiratórios.
Segundo o gerente de Locações da Protel, Leandro Claro, mesmo com a escassez de imóveis disponíveis para aluguel no mercado, a incidência de luz continua sendo uma prioridade entre dois públicos distintos: idosos e casais com crianças pequenas.
- O sol da tarde afasta tanto os possíveis inquilinos, que há imóveis, localizados em áreas nobres da cidade, que estão vazios há meses por serem quentes demais. Não à toa a expressão "sol da manhã" está sempre presente nos anúncios. Sem dúvida este é um ótimo argumento de venda ou aluguel - diz Claro, que revela uma tática dos corretores para driblar tal "infortúnio": - Determinados imóveis têm horário certo para receberem visita. Caso contrário, correm o risco de ficar fechados durante meses - completa.
Uma arquitetura com muita influência da europeia. Ainda
Arquiteto e gerente de Suprimentos da Cipa Imobiliária, Mário Henrique Roffé Alves acentua que o sol forte, além de aumentar drasticamente o consumo de energia elétrica, por conta do uso excessivo de ar-condicionado, dificulta o desenvolvimento das plantas e causa alguns estragos dentro de casa:
- Desbota a pintura da parede, queima o sinteco do chão e reduz a vida útil de persianas e cortinas.
Na avaliação da arquiteta e urbanista Michelle Alencar, por sua vez, a arquitetura brasileira ainda é muito influenciada pela europeia - ou seja, ainda aproveita muito pouco a luz produzida por energia solar.
- Se um projeto é idealizado para privilegiar ao máximo a luz solar, ele precisará de luz artificial por menos tempo. Além disso, essa energia pode ser aproveitada por meio de painéis de captação solar para aquecimento da água. Mas, nesse sentido, estamos apenas engatinhando.
Ao escolher o imóvel, estilo de vida também deve ser levado em conta
Por conta do interesse crescente por imóveis com maior incidência de sol pela manhã, o diretor de Comercialização e Marketing do Secovi-SP, Luiz Fernando Gambi, afirma que é preciso avaliar se tal preocupação condiz com o estilo de vida do morador. Caso contrário, completa ele, corre-se o risco de pagar mais por um imóvel, sem necessidade:
- Há quem compre apartamento que recebe muito sol da manhã e depois espalhe cortinas e tapetes isolantes pela casa para impedir que o calor seja absorvido. Ou passe o dia com o ar-condicionado ligado. Se é assim, podia ter economizado escolhendo um imóvel em outra posição.
Mas para quem não abre mão de receber o sol dentro de casa, Gambi dá uma dica:
- Em empreendimentos isolados, que recebem iluminação por todos os lados, o ideal é decidir por aquele em que os cômodos de maior permanência da casa estejam a favor do sol. Em geral, sala e quartos.
Quando é o excesso de sol que vira um problema, o jeito é priorizar projetos com maior caimento de telhado, para obter mais sombra. Ou, quando não existe essa hipótese, apelar para novos e antigos recursos. Um dos mais requisitados hoje, segundo o arquiteto e gerente de suprimentos da Cipa Imobiliária, Mário Henrique Roffé Alves, é o insulfim. O motivo, garante, são as altas temperaturas já registradas no verão de 2010:
- Apesar de não ser uma solução esteticamente bonita, a procura dobrou no último ano. Estamos tendo estações cada vez mais quentes, e muitos condomínios, que proibiam tal recurso, voltaram atrás. Hoje, muitos condomínios da Barra já são construídos com vidros azuis e verdes, que dão um maior conforto térmico.
Alves acentua que alguns artifícios amplamente usados na arquitetura no passado são mais eficientes para filtrar o excesso de sol do que boa parte dos recursos atuais:
- As venezianas, introduzidas no Brasil no fim do século XIX, não agridem a fachada, dispensam a cortina e dão ao morador o controle da incidência de luz. Mas, infelizmente, elas caíram em desuso. Só são encontradas em prédios antigos.
Alves destaca um ícone do modernismo, o Palácio Gustavo Capanema - o prédio do MEC - como um projeto que se destaca, entre outras coisas, pela bela (e eficiente) fachada de brise-soleil, técnica que inibe a incidência do sol, garantindo iluminação e ventilação.
Para a arquiteta Renata Pessoa, a dobradinha iluminação e ventilação ainda não é uma das principais preocupações entre os seus clientes:
- Se o sol nem se pôs, e você já está acendendo todos os interruptores de casa para ler um livro, é porque algo está errado. Para evitar hábitos desse tipo, um projeto deve priorizar ao máximo a luz solar, nem que isso exija mais estudo e pesquisa.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
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