Valor Econômico, Marcos Köhler (Opinião), 01/abr
A mística criada em torno dos depósitos de poupança se opõe à necessidade de mudança na sua estrutura tributária e normativa. Sempre nos vêm à cabeça os cofrinhos de criança e as cadernetas encapadas em plástico que ajudaram a popularizar em todas as faixas etárias essa alternativa de aplicação nos anos 70. Esse mundo ingênuo do "pequeno poupador" acabou e só existe na nossa memória coletiva. Segundo as estatísticas, a poupança virou coisa de gente grande, muito grande, e o custo da ilusão passadista pode ser medido em bilhões. Mais precisamente, R$ 7 bilhões por ano.
A isenção de imposto de renda para os depósitos de poupança é um subsídio hoje capturado pelos estratos de alta renda da sociedade. Para quem é efetivamente pobre - não importa se correntista da poupança ou pretendente a financiamento imobiliário - quanto antes se extinguir o subsídio, melhor. As razões são muitas.
Inicialmente, é preciso desfazer o mito de que a poupança é uma aplicação prioritariamente dos pobres. A poupança tem mais depositantes com saldos entre R$ 50 mil e R$ 200 mil que os CDBs. Um milhão e meio de seus depositantes têm saldo superior a R$ 50 mil.
Também ao contrário do que muitos imaginam, a poupança é um ativo financeiro competitivo. Não foi à-toa que, entre junho de 2006 e junho de 2010, seu saldo cresceu de 8,5% para 10% do PIB, enquanto os fundos de renda fixa declinaram, ainda que marginalmente, de 30,5% para 29,6% do PIB. Quem tem a impressão de que a poupança rende pouco comete um erro de perspectiva. Compara a rentabilidade bruta das demais aplicações com a rentabilidade da poupança, quando deveria olhar para a rentabilidade líquida. Sobre as demais aplicações incidem diversos encargos tributários e custos de transação que não recaem sobre a poupança. Uma aplicação financeira ordinária é tributada entre 15% e 22,5% pelo IR e, a depender dos prazos, pelo IOF. No caso dos fundos, paga taxas de administração que podem chegar a 4% ao ano. Em outras, pode haver penalidades sobre a rentabilidade contratada em caso de retirada antecipada. A partir da introdução da marcação a mercado, o investidor tem que lidar, especialmente no curto prazo, com a volatilidade, o que pode gerar perdas nominais, mais prováveis em prazos curtos. Em todas as hipóteses, a liquidez é bastante travada ou o custo de recuperação da liquidez é elevado. Já a poupança, por sua padronização, simplicidade, e constância de regras, pode ser considerada uma aplicação com custos de transação zero para todos os fins práticos. Quando todos esses fatores são considerados, a competitividade da poupança é inegável.
A magnitude do subsídio à poupança é pouco conhecida, o que leva a sociedade a não avaliar com mais cuidado a justiça e a eficácia do subsídio, mesmo na situação atual, em que o Estado mostra claros limites fiscais e se obriga a cortes severos no orçamento.
Quem de fato captura o subsídio embutido nos juros baixos é o vendedor do imóvel, não o comprador
O valor anual da renúncia fiscal sobre os rendimentos pode ser calculado pelo produto do saldo da poupança (R$ 370 bilhões) pelo percentual de 1,9% ao ano. Esse é o percentual que deveria ser acrescido à rentabilidade atual da poupança para que sua rentabilidade líquida se mantivesse inalterada, na hipótese de cobrança de IR de 20% sobre seus rendimentos.
Para determinar os beneficiários efetivos do subsídio, é preciso considerar os efeitos econômicos da redução do custo dos financiamentos que ele proporciona e como a regulação e as normas do SFH canalizam os recursos e incentivos do Sistema.
Os limites de valor de imóvel e de financiamento no SFH são muito elevados quando se leva em conta a renda da população mais afetada pelo déficit habitacional - aquela com renda de até três salários mínimos. O valor máximo de imóvel pode chegar a R$ 500 mil e o de financiamento, a R$ 450 mil, cifras inalcançáveis para as famílias pobres.
Além de não serem focalizados na população realmente atingida pelo déficit habitacional, há um problema adicional com os juros subsidiados do SFH: quase 70% dos recursos são dirigidos ao financiamento de imóveis usados. Sendo a oferta de usados inelástica no curto prazo, os juros subsidiados pressionam fortemente a demanda sobre um parque habitacional limitado, o que está ajudando a pressionar os preços, que sobem bem acima da inflação. Com a subida dos preços, quem de fato captura o subsídio embutido nos juros baixos é o vendedor do imóvel, não o comprador. Se o mercado não discrimina o preço de imóveis novos e usados nessa onda de preços, as construtoras também estão aptas a capturar esse subsídios, elevando suas margens.
Da parte dos agentes financeiros, embora a regulamentação do SBPE preveja, em princípio, que 65% dos depósitos sejam aplicados em financiamentos habitacionais, há uma série de vazamentos nas normas, de tal modo que a percentagem dos saldos efetivos de financiamentos habitacionais é apenas uma fração do saldo total da poupança. Operações não relacionadas ao financiamento à moradia acabam se beneficiando de um funding barato lastreado em renúncia fiscal, ajudando as instituições a auferirem elevadas margens brutas à custa da redução da receita pública.
Finalmente há uma grave questão federativa envolvida. O imposto de renda é dividido com estados e municípios por meio dos fundos de participação (FPE e FPM). A perda de arrecadação de R$ 7 bilhões anuais impõe uma "renúncia" fiscal involuntária para esses entes da ordem de R$ 3,2 bilhões anuais. Essa receita permitiria que investissem na oferta de terrenos e infraestrutura urbana de boa qualidade. A oferta de imóveis de baixo custo se expandiria - em vez de se pressionar a demanda com juros subsidiados - e se poderia reduzir os riscos a que as populações pobres das regiões metropolitanas brasileiras estão expostas.
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