Valor Econômico, Antonio Perez, 22/jul
Enquanto investidores americanos e europeus ainda tentam se recuperar do estouro de bolhas imobiliárias, por aqui o que se vê é um apetite crescente por aplicações ligadas a imóveis, cujos preços não param de subir. Na bolsa, após a febre com as ações das incorporadoras - papéis de companhias como MRV Engenharia e Rossi Residencial já subiram mais de 300% de 2009 para cá -, é hora de os investidores olharem com mais cuidado as empresas que exploram escritórios comerciais, aponta estudo do banco Santander realizado pelo analista Flavio Queiroz.
Segundo ele, o crescimento econômico, que estimula a expansão das companhias, e oferta limitada de escritórios em áreas nobres de São Paulo e Rio de Janeiro trazem boas perspectivas para os papéis do setor. "Os aluguéis e os preços dos imóveis devem subir nos próximos anos, e o valor das ações têm que acompanhar isso", diz Queiroz.
Hoje, o setor conta com apenas três empresas listadas em bolsa: Cyrela Commercial Properties (CCP), São Carlos Empreendimentos e a BR Properties, que abriu capital em março deste ano, com captação de mais de R$ 900 milhões. O analista do Santander recomenda a compra dos papéis da CCP e, principalmente, da BR Properties. O potencial de valorização dos papéis até o fim de 2011 é estimado em 40%.
Mas os investidores, por ora, não têm mostrado entusiasmo com o setor. Para pôr sua oferta na rua, a BR Properties foi obrigada a reduzir o preço de emissão para R$ 13, abaixo da faixa sugerida inicialmente (entre R$ 14 e R$ 18). De março para cá, as ações praticamente não saíram do lugar. Ontem, fecharam a R$ 12,85. Os papéis da CCP, por sua vez, acumulam queda de 16,25% este ano. "Além dos fundamentos do setor, as empresas estão com preços muito atrativos, o que oferece ótima porta de entrada para o investidor", diz Queiroz.
Para o analista, o mercado de escritórios de alto padrão, sobretudo em São Paulo, entrou em uma espiral ascendente de preços que deve atingir seu ápice daqui a três ou quatro anos. Empresas que adotam estratégia agressiva de aquisições no curto prazo, caso da BR Properties, levam vantagem. "Os imóveis comerciais estão em um estágio mais inicial do ciclo de alta", diz. "Quem aumentar o portfólio agora, como a BR Properties, vai acumular espaços a preços atrativos."
Do espaço atual para locação no mercado- Área Bruta Locável (ABL) -, a BR Properties detém 6%, São Carlos, 3%, e CCP, 1%. Os outros 90% estão pulverizados. Isso indica, avalia Queiroz, que o setor de imóveis comerciais passará por um processo de consolidação, liderado pelas empresas de capital aberto, que têm mais acesso a recursos. "A expansão das receitas das empresas deve ocorrer de forma orgânica e por meio de aquisições", diz.
Ele lembra que a BR Properties já adquiriu cerca de 646 mil metros quadrados desde sua abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) e hoje acumula 969 mil metros quadrados de ABL. A perspectiva de Queiroz é que a empresa atinja 1,466 milhão até 2012. Já a CCP tem 13 projetos de expansão, que somam 226 mil metros quadrados. Hoje, a empresa possui ABL total de 173.250 metros quadrados, dos quais 91.050 de escritórios comerciais, principalmente no segmento de alto padrão em áreas nobres.
A estratégia das companhias, explica Queiroz, é adquirir imóveis em regiões em que ha perspectiva de valorização do preço do metro quadrado. O ciclo de negócio prevê ganhos em dois momentos. Primeiro, com o aluguel do empreendimento durante alguns anos. Depois, com a venda da propriedade, executada quando não há mais perspectiva de valorização do metro quadrado.
O principal indicador de rentabilidade do setor de aluguel comercial é o chamado cap-rate. Trata-se da relação entre o preço do imóvel e o valor do aluguel. Por exemplo: se o imóvel vale R$ 1 milhão e a empresa obtém R$ 100 mil de aluguel, o cap-rate é de 10%. A perspectiva do analista é de que os preços dos imóveis subam mais que o dos aluguéis nos próximos anos, o que provocará uma compressão do cap-rate. Essa perda de rentabilidade com o aluguel, contudo, mais do que será compensada pelo preço da venda do imóvel.
Além disso, quando as companhias venderem as propriedades, a taxa de juros estará em níveis mais baixos. Elas terão, portanto, dinheiro em caixa e acesso a recursos com custos menores para explorar novas regiões. "Isso deve acontecer depois de 2014 e 2015, quando o custo de capital no Brasil deve ser mais baixo", afirma Queiroz.
Para quem se machucou com a onda dos flats nos anos 80 e a euforia dos escritórios no fim da década de 90, o cenário róseo traçado pelo Santander assusta. É preciso lembrar que a própria lógica do negócio de imóveis para alugar costuma causar descasamentos temporários entre oferta e demanda. Uma procura muito grande por escritórios estimula os incorporadoras a construir empreendimentos. Entre o lançamento e a entrega da obra, porém, passam-se geralmente três anos. O problema é que a demanda pode ter esfriado no momento em que os escritórios forem entregues, provocando um tombo no valor dos aluguéis.
Foi justamente o que aconteceu em 2003 e 2004, quando houve entrega de empreendimentos lançados na euforia do fim da década de 90 e início dos anos 2000. Na época, a taxa de vacância (número de espaços vagos em relação à oferta) atingiu picos de 30%. "Depois dessa experiência, os empreendedores passaram ter mais cautela", diz Lilian Feng, gerente da Jones Lang Salle. "Hoje, a oferta de novos espaços é bastante estudada, por isso, o risco de taxa de vacância elevada é baixo", afirma.
Segundo Lilian, as taxas de vacância no mercado de alto padrão de São Paulo devem permanecer abaixo da chamada taxa de equilíbrio (15%) nos próximos anos, impulsionando os preços de aluguéis. A taxa de equilíbrio indica que não há descompasso entre oferta e demanda. Isso significa que há imóveis vagos apenas temporariamente, em razão da troca de inquilinos. Desde 2006, a taxa de vacância na capital paulista não passa de 13%. No segundo trimestre, foi de apenas 9% "O jogo está a favor dos proprietários e deve continuar assim", diz a executiva.
Ela lembra que a taxa de vacância se manteve comportada no período apesar de um aumento de cerca de 90% do aluguel em áreas nobres de São Paulo de 2006 até o ano passado, com uma breve interrupção durante o auge da crise financeira, no fim de 2008. "Os valores de locação subiram muito nos últimos anos, mas não atingiram ainda o teto", diz Lilian. "A tendência é ainda é de crescimento, embora em um ritmo mais compassado."
Queiroz, do Santander, lembra também que os aluguéis são reajustados pelo Índice de Preços Geral-Mercado (IGP-M). Após apresentar deflação em 2009, com mergulho dos preços dos atacados, o índice deve subir este ano 7,5% (acima dos preços ao consumidor), impulsionando o valor dos aluguéis.
As administradores de shopping centers também se enquadram no grupo das companhias do setor de imóveis para aluguel, embora muitas vezes sejam associadas ao varejo. Hoje, as principais empresas do segmento listadas em bolsa são Multiplan, Iguatemi e BRMalls.
Embora não considere as perspectivas para o setor de shopping centers tão favoráveis como os escritórios comerciais, o analista do Santander recomenda compra para Iguatemi e, especialmente, para a BRMalls, em razão da estratégia agressiva de expansão e a cultura de controle de custos.
O preço-alvo estimado para a ação da BRMalls no fim de 2011 é de R$ 32,50, o que embute um potencial de valorização de 32,65% em relação ao fechamento de ontem, a R$ 24,50. Já para as ações da Iguatemi, o preço-alvo estimado é de R$ 41, potencial de valorização de 20,6%.
Para o especialista em finanças Ricardo Torres, professor de Finanças da Brazilian Business School, o panorama para o setor de imóveis para alugar é realmente positivo, dado o crescimento da economia. "A própria modalidade do investimento é interessante, porque gera um fluxo de renda constante", afirma Torres.
Mas ele lembra que, ao contrário das cotas de fundos imobiliários, que exploram aluguéis, as ações das empresas do setor estão sujeitas aos solavancos da bolsa. Ou seja, mesmos com fundamentos e perspectivas positivas, os papéis podem ter desempenho negativo em razão de episódios de aversão ao risco. "A dinâmica do setor de fundos é diferente da da bolsa, e o investidor tem de estar preparado para volatilidade", diz.
quinta-feira, 22 de julho de 2010
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