segunda-feira, 21 de março de 2011

Estrangeiros fazem casas por aqui

O Globo, Luciana Calaza e Geralda Doca, 20/mar


O megainvestidor do setor imobiliário Sam Zell já disse que o Brasil seria sua escolha, caso tivesse de fazer uma única aposta nos próximos anos. Seguindo os passos de Zell, investidores estrangeiros têm dirigido um novo olhar para a construção civil brasileira. Ingleses, portugueses, espanhóis e chineses passaram a considerar prédios residenciais e comerciais dos grandes centros do país como um bom destino para seu dinheiro. Em parceria com a Apex, a Adit Brasil (Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico) captou em 2010 cerca de R$30 milhões em investimentos externos para a construção.

Segundo analistas, esse total representará R$316 milhões em valor de venda nos próximos dois anos - tempo em que as unidades terão sido negociadas. E, diz o presidente da Adit Brasil, Luiz Henrique Lessa, esses números ainda vão crescer, já que outras empresas estrangeiras estão em negociação com empresários brasileiros.

Quebrando um paradigma no setor, a habitação para baixa renda, que conta com subsídios do governo, chama especialmente a atenção dos investidores, que desembarcam no Brasil em associações com empresas das regiões Sudeste e Nordeste.

- Esse balanço demonstra que um novo cenário se desenha no mercado brasileiro. Com o dinamismo da nossa economia, prevemos que nos próximos anos o Brasil ganhará mais destaque aos olhos dos investidores internacionais - conclui Lessa.

Para cada real investido, R$12 foram produzidos

Para atrair tais investimentos, a Adit Brasil investiu cerca de R$2,5 milhões, o que gerou retorno concreto de 1.200% do valor inicial. Ou seja, a cada R$1 investido outros R$12 foram gerados. O recurso aplicado pelas duas instituições possibilitou a realização de 111 contatos com investidores internacionais, a vinda de 78 investidores para conhecer o Brasil, 30 empresas brasileiras visitadas por esses investidores e a participação de 470 empresários estrangeiros nos seminários internacionais promovido pela Adit em Nova York, Londres, Madri e Lisboa.

O presidente do Sinduscon-Rio, Roberto Kauffmann, diz que entre os interessados estão europeus e chineses que atuam na Venezuela e querem se instalar também no Brasil. Ele conta que há cerca de três meses recebeu do Consulado da China uma sondagem em nome de dez empresários, sendo que a metade estava interessada no segmento habitacional de baixa renda.

Lessa ressalta que o Minha Casa, Minha Vida é um sucesso internacional e vem atraindo investimentos de grupos estrangeiros. Como não são "elegíveis" a atuar no programa federal, os investidores firmam parceria com empresas locais, através de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE).

Britânica tem projeto de 25 mil unidades

Entre as empresas que fizeram negócios no Brasil em 2010 está o fundo de investimento inglês Charlemagne Capital, que negociou, junto com a empresa alagoana Record Engenharia, a construção de um edifício de 312 unidades. Outra britânica, a RG Salamanca, foi além e fechou com a Ecocil, do Rio Grande do Norte, 14 prédios para a classe média, num total de 1.311 unidades. E já estão nos planos da dupla 25 mil unidades para o Minha Casa Minha Vida. Os portugueses do grupo Avistar, por sua vez, se associaram à construtora Teto Planejamento para erguer um prédio de 110 unidades também dentro do Minha Casa.

- O trabalho da Adit Brasil ajudou muito. É difícil obter referências corretas de empresas e nesse ponto eles são expert - atestou o presidente da Ecocil, Sílvio Bezerra.

Kauffmann cita ainda como exemplo do investimento estrangeiro a JB Homes, do grupo do megaempresário americano Donald Trump, que tem uma fábrica de kits para construção (fabricação pré-moldada) na Carolina do Sul e quer trazer a tecnologia para o Rio. Segundo Kauffmann, os executivos do grupo já planejam, inclusive, um projeto piloto na Zona Oeste, para servir de showroom para empresários brasileiros.

Para ajudar a consolidar a imagem de nosso mercado imobiliário como um dos mais lucrativos, a Adit Brasil, junto com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), prepara um modelo de como os empresários devem apresentar seus projetos a investidores e quais informações devem disponibilizar.

Habitação popular está vivendo uma mudança de paradigmas, diz mercado

O interesse na habitação popular, especialmente, é motivo de comemoração: tanto os empreendedores quanto especialistas afirmam que, desde o fim do Banco Nacional de Habitação (BNH), na década de 1980, não havia no país uma política para o setor. O movimento, que começou de forma tímida em 1999 com o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), ganhou fôlego com o Minha Casa, Minha Vida, de 2009.

- A habitação popular no Brasil vive uma quebra de paradigma - comemora a consultora da CBIC, Maria Henriqueta, lembrando que a classe baixa nunca foi alvo do setor.

Mas, segundo Luiz Henrique Lessa, da Adit Brasil, muitos investidores, principalmente do segmento imobiliário, ainda têm dificuldade em optar por projetos brasileiros devido à falta de informações e à estrutura necessária.

- O que o investidor quer entender claramente é o ciclo de investimento do projeto, seus riscos e a estrutura de gestão - avalia Lessa.

Para Paulo Simão, presidente da CBIC, parceira da Adit no projeto de consultoria, este é o momento do Brasil:

- Não devemos omitir as nossas carências e problemas, até porque muitos deles compõem o leque de oportunidades para os estrangeiros.

Não são poucos os especialistas, entretanto, que enxergam nessa inundação de capital uma formação de bolha. Para o economista Luís Carlos Ewald, professor da FGV, um crescimento veloz demais poderá causar um colapso adiante:

- As pessoas estão comprando por causa de um cenário de juros mais baixos e parcelas viáveis. É um cenário que alimenta a alta de preços. Mas, com inflação contida, uma hora essa alta de preços vai acabar. E quem for tentar revender o imóvel, não vai conseguir ou perderá dinheiro.

Construtoras agora são incorporadoras

Fortes subsídios federais e um modelo baseado em parcerias com o setor privado, estados e municípios ajudam a explicar os ganhos de escala na produção de novas unidades para a baixa renda, dizem especialistas. Antes, explica a consultora da CBIC, Maria Henriqueta, a Caixa Econômica repassava os recursos para estados e prefeituras - que respondiam pela elaboração de projetos, regularização de terrenos e só depois realizavam licitação para escolha da construtora. Agora, o processo se inverteu:

- A habitação popular era promovida pelo setor público, cabendo ao privado a função de empreiteira. A grande virada está na incorporação feita agora pelas empresas: elas procuram terrenos, elaboram projetos e vendem ao governo.

Para o consultor José Pereira Gonçalves, a diferença entre o Minha Casa e os programas anteriores é que a União colocou no Orçamento, explicitamente, o aporte (de R$14 bilhões) à baixa renda - setor em que só crédito é insuficiente, diante da capacidade limitada de pagamento.

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