sábado, 18 de setembro de 2010

Mercado imobiliário entra no vale-tudo.

Empresas usam viagens e carros de luxo como chamariz para zerar estoque de apartamentos voltados à alta renda

Paula Pacheco - O Estado de S.Paulo



Quem decide fazer um investimento grande, como comprar um apartamento, normalmente adota cautela na hora de fazer as contas e adia planos como viajar ao exterior ou ter um carro novo na garagem. E se, ao fechar o contrato para comprar um imóvel, a passagem aérea ou uma Mercedes viessem de brinde?

A proposta parece irresistível. Pressionadas pelo aumento da concorrência, construtoras e incorporadoras estão mais agressivas nas ações de marketing para a venda de imóveis para a alta renda. Nas últimas semanas, duas promoções se destacaram. A Eztec oferece uma Mercedes para quem comprar um dos 15 apartamentos selecionados, avaliados em cerca de R$ 1 milhão.

A Agre fez uma parceria com a Multiplus e oferece até 1 milhão de pontos no programa de fidelidade para quem quiser trocar o bônus, por exemplo, por passagens aéreas. Essa pontuação máxima, atrelada ao valor do apartamento, seria o suficiente para garantir 16 tíquetes para a Europa, por exemplo, ou 50 passagens para a América do Sul. Se preferir, o prêmio pode render 25 viagens de avião para os Estados Unidos.

No caso da Eztec, a promoção vale para imóveis em edifícios já entregues. São apartamentos que foram preteridos pelos consumidores e "sobraram". Segundo Emílio Fugazza, diretor financeiro e de Relações com Investidores da empresa, a promoção não teve como objetivo apenas zerar os estoques, mas atrair potenciais clientes para os outros estandes de venda.

"Na média, o movimento dobrou em todos os estandes. Atrair público para esses lançamentos nem sempre é tarefa fácil. Com o tempo, é normal que o movimento caia. Então é preciso encontrar formas de chamar a atenção novamente", explica o executivo da empresa.

Desconto. A promoção da Mercedes C180, que custa cerca de R$ 120 mil, só caiu nas graças de um comprador. Em um mês de promoção, 11 apartamentos foram vendidos, apenas um cliente quis ficar com o carrão. Os outros compradores preferiram negociar um desconto no preço final.

Não é de hoje que empresas imobiliárias como a Eztec adotam o brinde como chamariz para convencer o cliente a fechar negócio. "Depende do valor do imóvel. Podemos dar uma vale-compras na Saraiva de R$ 5 mil, uma churrasqueira, um forno para pizza ou seis meses de condomínio quitado. É a cerejinha do bolo", exemplifica Fugazza.

Receita aprovada. Animado com o efeito indireto desse tipo de promoção, que levou mais consumidores aos estandes, Fugazza acaba de investir em outro chamariz, desta vez um pouco mais modesto. Para zerar o estoque do empreendimento Clima do Bosque, na Vila Prudente (zona leste), a empresa ofereceu um Vectra de presente.

O diretor da Eztec lembra que investir em brindes para zerar o estoque de um prédio pode ser mais econômico do que manter o apartamento vazio à espera de comprador. Isso porque é preciso manter uma estrutura de atendimento no local até que não haja mais imóvel para vender.

Segundo a média de mercado, a venda de todos os apartamentos de um empreendimento pode demorar até 12 meses depois de ele ser entregue.

No caso da Agre e da parceria com a Multiplus, a promoção dura até o fim de setembro e é preciso desembolsar cerca de R$ 3,5 milhões para garantir 1 milhão de pontos. É o preço, por exemplo, de um apartamento de 436 metros quadrados no sexto andar do empreendimento Hemisphere, próximo ao Parque do Ibirapuera, região valorizada de São Paulo, com previsão de entrega para fevereiro de 2012. Segundo uma das corretoras da Agre, assim como aconteceu na Eztec, a promoção atraiu clientes para outros imóveis.

Risco. Coordenador de Marketing da Scopel, especializada na venda de terrenos, Fernando Mendes acha temerário que as construtoras entrem de cabeça na oferta de brindes para ganhar os clientes. "É preciso cuidado ao atrelar a venda a um bem de consumo de valor tão alto. O cliente pode fechar negócio no entusiasmo e não ter como manter seus compromissos depois. O resultado é inadimplência", adverte.

A funcionária pública Marta Rosi Gomes Silveira, de 48 anos, comprou um terreno da Scopel em Itatiba, interior paulista, em abril passado. Recebeu de presente uma TV de LCD de 32 polegadas, mas garante que isso não foi decisivo para assinar o contrato. "O que contou mesmo foi a localização do terreno, no mesmo condomínio onde mora a minha irmã. Como tinha acabado de mobiliar um apartamento novo, não tinha o que fazer com a TV e dei de presente", conta.

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