segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Missão (quase) impossível.

O Globo, Flávia Monteiro, 12/set


Quem entende do negócio, costuma dizer que não existe imóvel impossível de ser vendido - o cliente certo é que ainda não apareceu. Para os corretores, trata-se de uma questão de tempo e persistência. Papo de vendedor? Talvez. O fato é que esses profissionais recorrem às mais variadas estratégias - por vezes, até divertidas - para emplacar a venda daquelas que não são exatamente as "residências dos sonhos" da maioria.

Se o problema em questão é uma localização que deixe a desejar - de cara para um viaduto, por exemplo -, o importante é vencer a resistência do cliente. Mas para isso, diz a corretora Vera Lúcia Camargo, é preciso ter muitos (e bons) argumentos na ponta da língua:

- De repente a localização não é tão boa, mas o que há por perto? O que é possível fazer a pé naquela região? O bairro pode ser distante, mas ter condução na porta ou ficar próximo a um shopping ou centro comercial. É preciso dominar essas informações.

Quando tanto jogo de cintura não traz resultado, a dica é mostrar o imóvel ao maior número possível de pessoas, garante o atual diretor da Lopes no Rio, Romário Fonseca, ao relembrar seus tempos de corretor:

- Certa vez, mostrei um apartamento que tinha um cheiro terrível de mofo a pelo menos uns 30 interessados. Todas reclamaram do problema. Mas o 31º adorou saber que nenhum dos cômodos recebia luz do sol e fechou negócio na hora, sem pechinchar.

Por mais que o imóvel não seja um primor, há sempre um ponto de vista diferente, ainda que inusitado, conta Fonseca. Foi o caso do comprador que adorou saber que estava comprando um imóvel em frente a um cemitério, pois assim a vista continuaria indevassável:

- Ele era bem cuidado, todo gramado e sem grandes lápides, mas ainda assim continuava sendo um cemitério....

Tal vizinho, normalmente, é capaz de afastar até o mais cético dos mortais. Tanto que acabou se transformando num bordão recorrente entre os profissionais do setor:

- Costumamos dizer que é melhor estar aqui (no imóvel) olhando para lá do que estar lá (no cemitério) olhando para cá - brinca o ex-corretor Davi Saramago, hoje gerente comercial da construtora Pinheiro Pereira.

Saramago conta ainda como venceu a indecisão de um casal prestes a subir ao altar. Ela estava empolgadíssima com a possibilidade de fechar negócio. Já ele era só receios:

- Aproveitei uma distração da mulher e dei minha última cartada. Chamei o rapaz e disse: você realmente vai esperar casar para tomar uma decisão? Além de correr o risco de perder um excelente negócio, tudo que você comprar daqui a uma semana, em caso de separação, só será 50% seu. Não torço para isso, claro, mas nunca se sabe. O resultado? Ele comprou o apartamento sem pestanejar.

Supervisor de vendas da Apsa, Francisco Lisboa diz que omitir informações ou simplesmente mentir não são práticas recomendáveis. O ideal é compensar possíveis "deficiências", enchendo os olhos do comprador com a documentação completa do imóvel. E o preço deve estar bem ajustado ao mercado:

- No caso de uma rua que tenha uma feira livre, por exemplo, o ideal é levar a pessoa até o imóvel e tocar no assunto só depois que ela já estiver apaixonada por ele.

Antes considerado um dos principais entraves na venda de um imóvel, a proximidade com comunidades carentes deixou de ser um obstáculo após o surgimento das UPPs:

- Tem gente comprando imóvel próximo a favelas que ainda não estão pacificadas já contando com a valorização - diz Lisboa.

Gerente da imobiliária Ética do Jardim Botânico, Suyen Passos conta que, há pouco tempo, vendeu um apartamento em São Conrado por R$1,6 milhão, próximo à Rocinha:

- O apartamento era tão bom que o comprador não se importou com isso. Até porque lugar nenhum está livre de problemas.

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